De acordo com o autor, o conceito de gênero e sexualidade moderno têm origem na eleição de 2010, quando Dilma e Marina tinham chances reais de vitória e a descriminalização do aborto ocupou o debate público. Em seu acordo político, Dilma se comprometeu a não alterar a legislação vigente sobre o tema, mas em 2011, quando o STF permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a pauta de sexualidade voltou para o debate público.

Nesse meio, Jair Bolsonaro surge como um deputado defensor da moral, dos bons costumes e denuncia um suporto kit gay que estava sendo distribuído nas escolas. O material anti discriminação sexual foi vetado pela então presidente, mas serviu de início para a pauta moral que mais tarde culminou na eleição de Bolsonaro.

Ao longo do governo Dilma, outras mudanças ocorreram, como a lei das cotas e a PEC das domésticas entre outras pautas progressistas. As mudanças foram de encontro a setores mais a direita da sociedade que se sentiram afetados negativamente pelas medidas.

Embora à primeira vista a jornada do fundamentalismo religioso tenha sido atrelada a grupos religiosos neopentecostais, através de uma análise mais minuciosa perceber-se que esse grupo era apenas o mais barulhento e que tal sentimento também eram compartilhados com uma maioria silenciosa de eleitores católicos e conservadores.

Junto com a agora chamada de “ideologia de gênero”, colocou-se no mesmo barco os escândalos de corrupção frequentes no governo, os estudos sobre a sexualidade, campanhas de combate ao preconceito, pautas progressistas etc. Todo esse “mal” foi empacotado como “esquerda”.

Nesse período, o debate sai das casas legislativas e vai para redes sociais, momento em que diversas páginas conservadoras crescem, servindo de plataforma para diversas pautas que vão da perseguição de artistas a críticas ao sistema de ensino, chamado muitas vezes como “doutrinador de esquerda”. Ao mesmo tempo, começam a aparecer operações da PF em universidades, a exposição Queer Museu é atacada e fechada pelo MBL e se instala um pânico moral e sexual no país.

Qualquer pânico, moral ou sexual, exacerba os medos e tira o debate do campo racional e leva para o emocional. 

Cap 1: As diferenças na esfera pública técnico-midiatizada

Richard Miskolci
Richard Miskolci

O autor cita Frank Pasquale, que diz: A forma como as redes definem a relevância de um conteúdo, baseado no engajamento, “submete o pluralismo e as funções democráticas do discurso aos interesses mercadológico, autorizando a esfera pública”.

Para Jurgen Habernas, a esfera pública é dimensão em que assuntos coletivos são discutidos, resultado no que chamamos de opinião pública, e que essa discussão passou a acontecer dentro das redes sociais, e influenciada por suas orientações mercadológicas.

Mas nesse contexto, não podemos atribuir às redes a solução dos conflitos que vivemos, uma vez que essas apenas amplificam o debate e dão vozes aos atores envolvidos. 

Segundo o autor, em 2013, durante as jornadas de junho, o foco dos protestos passou de uma pauta econômica e social (Protesto contra aumento das passagens em SP), fruto da recessão econômica e perda do poder de compra para um impulso anti institucional liderado pela direita conservadora e movimentos como o MBL.

Irlys Barreira diz que essas manifestações furto de um fenômeno antigo, a indignação coletiva. Um tipo de protesto sem pauta definida que aglutina grupos com interesses potencialmente divergentes tendo como marca a recusa de mediação.

A partir das manifestações, o impulso anti institucional passa a moldar o debate na esfera pública, enquanto as plataformas foram lenientes ao permitir que esse discurso avançasse.

De acordo com o autor, as Jornadas podem ser comparada a outros protestos apartidários conduzidos por jovens, como a Primavera Árabe (2010), Os Indignados (Espanha, 2011) e Ocuppy Wall Street (USA 2011).

As redes sociais, que podem até parecer mais democráticas devido à sua horizontalidade, favorecem o surgimento de movimentos “empty Shell”, que podem ser sintetizados na frase “Contra tudo isso aí”. Ao mesmo tempo, esses grupos organizados passam a lançar site noticiosos para divulgar sua perspectiva ideológica e, eventualmente, fake News.

A linha de comunicação adotada é simples, curta e direta. Pílulas de conhecimento que reforçam o senso comum e são facilmente compartilhadas, que passam certa sensação de superioridade moral para aqueles que compartilham as informações, mesmo com o empobrecimento o discurso na espera pública.

Nesse contexto, houve um distanciamento geracional entre aqueles que aprenderam a se socializam de forma offline e entre aqueles que cresceram com acesso às redes sociais. O primeiro grupo acredita que a tecnologia e as novas formas de comunicação não resolvem todos os problemas, enquanto o segundo acredita que todos o conhecimento está disponível na tela do celular.

Para o autor, as redes sociais vendem os dados dos usuários para clientes para que esses possam influenciar os usuários, até mesmo em termos eleitorais, como foi revelado no escândalo da Cambridge Analítica, em 2018.

O autor também critica o fato de o Facebook ter sido moldado para emular a cultura do vale do silício, baseado na popularidade, admiração, atenção, que valoriza o sucesso profissional e a competitividade.

Um dos pontos do autor é que a mídia passou ser cada vez mais individualizada, passando de uma experiência coletiva no cinema, para uma experiência familiar na televisão para uma experiência personalizada no smartphone, de forma que a tela do celular é uma versão eletrônica do espelho, que debilita a visão de mundo do dono a partir dos seus interesses.

De certa forma, as redes socais são uma espécie de revista Caras para anônimos, que permite a qualquer pessoa ser o centro de uma pequena audiência, a sua rede de amigos na rede social.

Cap 2: Ideologia de gênero, os empreendedores morais e sua cruzada

Jair Bolsonaro e o “Kit Gay”

O termo ideologia de gênero surgiu na IV Conferência das Nações Unidas sobre a mulher, em 1995, para sintetizar o que compreendem como divergência entre os pensamentos feministas e seus interesses.

Ao longo da década de 2000, o termo começou a circular em conferências conservadoras como preocupação em relação as demandas dos homossexuais, que estavam prestes a terem seus diretos reunião legitimados em diversos países da América Latina, como aconteceu na Argentina em 2010, Brasil em 2011, Uruguai, Equador, Colômbia, Chile e México nos anos seguintes.

Logo após o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, Jair Bolsonaro encabeça um movimento contra a cartilha de para combate a discriminação (Kit gay) até conseguir o veto da então presidente Dilma Rousseff.

O movimento contra a ideologia de gênero acabou entrando em outras pautas, como o movimento escola sem partido, que buscava impedir a doutrinação marxista nas turmas de ensino fundamental e médio, quando se discutir a reformulação dos programas educacionais no Brasil.

O mote do movimento era que a ideologia de gênero colocava em risco a família brasileira, o que contribuiu para a direcionamento a uma base maior, indo além dos evangélicos pentecostais, mandando o foco da questão religiosa para uma noção que ameaça concepções idealizavas sobre família e seu papel social dentro de uma agenda de doutrinação marxista junto com uma ameaça de nos tornarmos um Cuba ou Venezuela.

De acordo com o autor, gênero não é ideologia, tampouco um projeto político de igualdade entre heterossexuais e homossexuais seja uma pauta de esquerda.

O conceito de gênero, originalmente oriundo da medicina foi usado pelo movimento feminista para analisar a diferença entre o sexo biológico e desigualdades. De acordo com autor, o tempo ideologia de gênero foi atrelado ao governo Dilma e o PT, que estava fragilizado pelos diversos esquemas de corrupção.

Nas redes, o “politicamente correto” passou a vigorar, com grupos achando que esse posicionamento poderia tentar desigualdades e injustiças.

Houve uma importante distinção entre esquema e direita: O primeiro achava que o Estado e a Lei eram as instâncias reguladoras da sociedade, enquanto o segundo grupo defendia a moral e a ordem familiar.

Não necessariamente esses grupos são contra os direitos humanos, mas de certa forma, os grupos querem limitar os direitos às famílias heterossexuais.

As inflexões da criminalização da política e o ódio às instituições criaram terreno para a união de atores políticos da agenda neoliberal com empreendedores morais históricos, como a igreja católica, reforçando a campanha contra a ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos, a perspectiva dos estudos de gênero e sexualidade.

Há muitos anos a sociedade passa por um acirramento da disputa entre grupos estabelecidos e aqueles que demanda reconhecimento e direitos, portanto, não é algo novo e nem mesmo pode ser chamado de reação conservadora, uma vez que não é o interrompimento de uma marcha progressista e sim batalha morais recorrentes da sociedade.

Cui bono? (Quem se beneficia?)

Quem e beneficia das cruzadas morais? De acordo com o autor, os principais vencedores são políticos com base eleitoral religiosa ou conservadora, que alcançaram protagonismo moral e controle da pauta de direitos humanos no Executivo, enquanto houve redução de direitos e políticas sociais, assim como reformas pró-mercado. (Sic)

De acordo com o autor, a supressão do termo gênero nos planos educacionais foi deliberada para impedir o aprendizado sobre igualdade e autonomia das mulheres, direitos fundamentais dos homossexuais, pessoas trans e outras.

Os grupos que promovem a cruzada moral veem a homossexualidade como ameaça a coesão social.

As jornadas de Junho

Cap 3: A política identitária no neoliberalismo

Por muitas vezes, os protestos dos movimentos sociais atacavam a falta de representatividade dos especialistas sobre diversas pautas, inclusive progressistas, com acusações como sulistas, cis, caucasianos e heteros, como se o fenótipo e local de moradia fosse mais importante que o conhecimento sobre o tema e militância.

Ou seja, os militantes estavam criticando pesquisadores devido à suas características físicas, uma forma clara de preconceito que supostamente eles deveriam combater.

O escracho de pesquisadores por parte dos ativistas sexuais continuou nas universidades e no debate público. O uso desse expediente tem como estratégia colocar os adversários como dominadores e opressores, enquanto o ativista se colocar no lugar de vítima da sociedade e, de certa forma, moralmente superiores.

De acordo com Daniele Giglioli: “Ser vítima outorga prestígio, exige escuta, promete e fomenta reconhecimento, ativa um gerador poderoso de identidade, de direito e de autoestima. Imuniza contra qualquer crítica, garante a inocência para além de qualquer dúvida razoável.”

Ao empregar uma estratégia de algoz e vítima, os ativistas simplificam o debate, o que cabe bem na dinâmica simplista das redes sociais.

Ao mesmo tempo, pessoas estigmatizadas ou sujeitas a discriminação tem facilidade em buscar apoio on-line e também construir redes de apoio neste meio, promovendo ainda mais a discussão sobre gênero, sexualidade, identidade nesta esfera.

Á medida que o debate migra para as redes sociais, influenciadores digitais começam a liderar campanhas de suposta conscientização política, que permitem ampliar ou consolidar sua base de seguidores, ao mesmo tempo que destrói aqueles que consideram adversários políticos, o famoso cancelamento.

Um exemplo nessa linha é a campanha “Meu Professore Assediador”, com acusações graves que se aproveitam do anonimato das redes sociais para acusar pessoas sem provas, tampouco direito à defesa.

Esse comportamento foi classificado nas redes sociais como o “politicamente correto”.

O discurso anti politicamente correto foi explorado pela extrema direita como uma forma de defesa das maiorias, ou da família, moral e bons costumes contra o comportamento de extremistas de esquerda / socialistas, que passaram a serem taxados de intransigentes.

De ambos os lados, esquerda e direita, viram nas redes sociais um ambiente teoricamente democrático, por permitir a livre expressão de qualquer pessoa. Entretanto a própria dinâmica das redes sociais levou estes mesmos defensores da democracia ao radicalismo, ao extremismo e em alguns casos para o anti institucionalismo.

Cap. 4: Vocabulário identitário: Local de fala, experiência e cisgeneridade.

Até que ponto populações marginalizadas podem falar por si mesmas? 

Deleuze e Foucault diziam durante a revolução francesa que as massas não precisavam mais dos intelectuais para se expressarem, mas Spivak, uma indiana radicada no Estados Unidos trás uma nova perspectiva ao abordar o fenômeno sociológico indiano do suicídio das viúvas que se jogam na pira funerária dos maridos.

Como essas mulheres irão falar por si próprias? Mulheres que a única fala é a autodestruição.

Nessa perspectiva, os intelectuais têm um dever ético de representar aqueles que não podem falar.

Hoje, é comum que membros de movimentos sociais ou ativistas defendam suas posições políticas a partir da experiência, por vivenciarem na pele o preconceito e a discriminação.

Quem evoca o local de fala não está em situação de vulnerabilidade extrema, mas na verdade pretende monopolizar uma pauta política para os quais ascender como autoridade inquestionável, uma vez que pessoas que dedicaram a vida ao estudo do tema não são mais capazes. Quem evoca o lugar de fala foge do debate que colocaria prova seus argumentos, enquanto a sua fala adquire feições de julgamento moral, usando a meritória demanda de justiça social em benefício próprio, não do debate público ou da causa coletiva.

Não seria essa uma forma de censura, o restringir a “fala” de uma pessoa a apenas o que “lhe diz respeito”?

Portando, esses termos só fazem sentido como armas retóricas em uma disputa por reserva de mercado em eventos, movimentos sociais, que ao fim e ao cabo promove mais competição e conflitos do que alianças em prol de uma causa coletiva.

Na área científica/universitária, o que pode ser avaliado é a qualidade do trabalho jamais a identidade do pesquisador.

Cap. 5: Epílogo

A principal característica das batalhas morais é o controle algorítmico das interações nas plataformas de rede social que geram bolhas de opinião e polarização.

O modelo de negócios focado na construção de perfis dos usuários para a venda de publicidade criou maneiras de manipulação da opinião pública

O debate nas redes sociais valoriza a comunicação direta, e muitas vezes simplista. Ao mesmo tempo que ataca as instituições cujo trabalho é a mediação do debate, como a imprensa profissional e as universidades.

Este contexto facilita criação e disseminação de teorias conspiratórias para uma opinião pública conectada, e muitas vezes ávida por respostas imediatas e soluções simples.

Os conflitos nas redes sociais atingiram em cheio a educação brasileira. Primeiro, através do questionamento da autoridade dos educadores por meio de um debate horizontal, construído nas redes sociais. Segundo o questionamento do currículo e do perfil de especialistas em favor da censura devido a suas características físicas ou local de moradia (Falta de lugar fala)

De certa forma, essa nova forma de debate cria uma espécie de autoritarismo anti-intelectual que contribui para o empobrecimento do debate público e aumento da polarização política.

Para o autor, a era das batalhas morais só terminará se questões de justiça social voltarem a ser discutidas em locais racionais e objetivos, como os do direito e da saúde pública.

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